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Ex-motorista diz que até ônibus sem freios rodam em Campo Grande
Durante o andamento da I sobre o transporte público, condições trabalhistas precárias também foram relatadas por ex-funcionários do Consórcio Guaicurus
CORREIO DO ESTADO / EDUARDO MIRANDA
“Sucatas”, foi assim que os ônibus de Campo Grande foram definidos ontem pelo ex-motorista do Consórcio Guaicurus Weslei Conrado Moreli, que foi ouvido pela Comissão Parlamentar de Inquérito (I) da Câmara Municipal sobre o transporte público.
O ex-funcionário, que trabalhou na empresa de 2019 a 2024, fez várias denúncias sobre a qualidade de manutenção da frota de ônibus do Consórcio Guaicurus, alegando que já dirigiu veículos com freios danificados e com o de velocidade quebrado.
“Eu saí da empresa por causa das condições que a empresa dava para trabalhar no transporte. Às vezes faltava freio, o de velocidade não funcionava, você não conseguia ver a velocidade em que estava na pista. A potência dos motores também não ava subir ruas inclinadas”, descreveu Weslei.
A superlotação também foi relatada pelo ex-motorista, dizendo para os vereadores que compõe a I que a orientação de superiores para os motoristas era de encher os ônibus até não caber mais nenhum ageiro.
“O consórcio tem falta de respeito com o povo, porque ele simplesmente joga o povo dentro daquela sucata [ônibus], que mais parece uma lata de sardinha. Uma vez eu ouvi de um encarregado para colocar até não caber mais”, declarou.
Falhas nos elevadores dos ônibus para cadeirantes também foram descritas pelo ex-funcionário, informando que precisou orientar ageiros a pegarem o próximo ônibus porque o elevador do veículo estava quebrado.
“A gente tinha um papel em que podíamos relatar problemas com elevador. Já fui orientado uma vez a continuar a viagem com o elevador quebrado. Já aconteceu também de eu ir embarcar um cadeirante e não ter condições porque o elevador estava travado. É triste, porque a gente tem que falar para o cidadão esperar o próximo”, relatou.
Na oitiva ada, realizada na segunda-feira, o atual diretor de Operações do Consórcio Guaicurus, Paulo Vitor Brito de Oliveira, confirmou que 97 ônibus da concessionária estão velhos, tendo mais de 10 anos de uso, o que corresponde a 21% da frota de 460 carros, além de estarem acima da idade permitida pelo contrato com a prefeitura.
CONDIÇÕES DE TRABALHO
Durante a I, Weslei Moreli também reclamou da jornada de trabalho dos motoristas, que, segundo ele, é “inaceitável”.
“No nosso contrato, a carga horária de trabalho deveria ser de 7 horas e 20 minutos, mas era comum a gente fazer 9 [horas] ou 10 horas. Eu já cheguei a fazer 11 horas. Os nossos intervalos eram de 5 minutos em algum terminal, o que dava uns 20 minutos no total do dia. A gente pegava algum salgado para comer e comia dentro do ônibus”, relatou o trabalhador, que também afirmou que essa era uma conduta “comum” entre os motoristas.
Weslei afirmou que o trabalho excessivo estava afetando sua saúde, em decorrência do estresse e das más condições. Hoje, o rapaz reside na cidade de Florianópolis (SC) e também é motorista de transporte público. Para ele, a diferença entre os dois trabalhos é grande, tanto em condições de trabalho como em salários e benesses.
O ex-motorista também relatou que, quando trabalhava como manobrista, função que fazia trabalhos mais istrativos no Consórcio Guaicurus, por várias vezes, fez o trabalho de motoristas nas linhas sem ter a remuneração adicional pelo acúmulo de funções.
Ele também explicou que essa era uma prática comum das empresas e que muitos motoristas também realizavam a função de manobrista.
Segundo ex-funcionário ouvido pela I ontem, Gabriel da Silva Souza Almeida também alertou os vereadores sobres as más condições de trabalho que ele e outros funcionários do setor de bilhetagem avam.
Gabriel contou que era comum ter nas cabines de bilhetagem do PegFácil cadeiras inadequadas e desconfortáveis, jornada extensa de trabalho e ares-condicionados que não funcionavam.
Também registrou que as cabines têm infiltrações, goteiras e falha constante no sistema de bilhetagem, chegando a ficar 40 minutos desligado.
Segundo Gabriel, o Consórcio Guaicurus dificultava o ambiente de trabalho propositalmente para forçar os funcionários a se demitirem, com práticas abusivas de assédio e intimidação jurídica.
“O consórcio praticava assédio moral organizacional, que consiste, entre outras coisas, na prática de uma empresa dificultar o ambiente de trabalho para forçar o empregado a pedir demissão, com práticas sistemáticas de desvalorização do funcionário ou gestão de estresse, com uma liderança que pressionava abusivamente para forçar desligamentos espontâneos”, contou.
“Meu objetivo é mostrar para a sociedade que, além de um serviço de péssima qualidade, o consórcio contribui com a fragilização dos direitos trabalhistas e a exploração do trabalho, o que, por consequência, piora a qualidade do serviço prestado”, acrescentou.
Ao final das oitivas desta quarta-feira, os vereadores da I informaram, durante coletiva de imprensa, que vão levar os relatos colhidos durante as oitivas para o Ministério Público do Trabalho de Mato Grosso do Sul (MPT-MS), para o órgão poder investigar as condições de trabalho no Consórcio Guaicurus.
SAIBA
Outro ponto abordado na I foi o fato de o Consórcio Guaicurus não ter plano de seguro, serviço que era obrigatório, de acordo com o contrato de concessão assinado em 2012 com a Prefeitura de Campo Grande.